Para pessoas raras

quarta-feira, 29 de abril de 2009 às 01:11
Ela guardava o hábito lascivo de apertar os amores entre as pernas, como se pretendesse esmagá-los sobre o próprio ventre. Gostava das marcas e da expressão "roxa de paixão". Gostava de desenhar contornos com a língua e de provocações ao pé do ouvido. Gostava de sentir o peso e fazia sexo de olhos abertos; tinha prazer em observar. Expressões, movimentos, pupilas dilatadas, pelos eriçados, contornos. O antes, o durante, o depois. Sorria. Naquela noite, deteve-se no depois. Fingiu dormir e, quando sentiu sobre o peito a outra respiração do terceiro sono, levantou. Sentada ao pé da cama com as pernas cruzadas como a de uma menina de tranças, acendeu um dos cigarros franceses que ele lhe trouxera de presente e observou. Observou com um cuidado cirúrgico cada milímetro de pele exposta sob a luz do abajur que ela tanto gostava. Guardou com cuidado o desenho das costas e o tamanho das mãos. Quis fotografá-lo; indefeso, belo. Como o achava belo. Sabia, de algum jeito, que jamais acharia alguém assim tão belo. Nem sob a luz daquele abajur, que ela adorava tanto, nem sob qualquer outra luz. Com a Polaroid dele e o cigarro pendurado na boca, imitando para sim mesma uma daquelas atrizes francesas dos filmes que ele tanto admirava, fotografou. A foto que seria para sempre, enquanto ela se lembrasse, a foto mais bonita que havia feito na vida. Estava séria. Vestiu-se, com o cigarro francês, que era o presente, ainda pendurado, e escreveu na parede, com aquele lápis vermelho de marcenaria:

"Querido, se você quer uma mulher capaz de fugir com você em um fusca verde para qualquer lugar no mundo com uma mochila e um mapa e que ouça billie holiday enquanto cozinha; se você quer uma mulher que escreva cartas de amor, que tire fotos de amor, que rasgue roupas de amor, que chore e grite de amor e que viva de amor; se você quer uma mulher que não tem noção de quanto e que por isso não tem restrições sobre quando ou onde; se você quer uma mulher que sangra, que cheira, que morde, que explode, que aguenta; se você quer uma mulher com força o bastante, vontade o bastante, coragem o bastante, imaginação o bastante, loucura o bastante, doçura o bastante, atrevimento o bastante, saliva o bastante e poesia demais; querido, se você quer uma mulher capaz de fugir, pra qualquer lugar no mundo, sozinha, num fusca verde, com uma mala, uma foto e um mapa, querido, meu querido, você vai ter que me conquistar primeiro."


Apagou o cigarro, o abajur. Sorria e nem sabia.

...

16 comentários

  1. Amei....

    Quero ver a coragem para realmente conquistar.. enão por um dia, mas sim pra sempre.

    Tudo muito lindo aqui...

    bjos

  2. muito bom! e o anterior a esse também, genial :}

    beijinhos, querido.

  3. Eu não tenho palavras para expressar minha admiração por você!

    Num dos textos mais "vivo" que li!
    Talvez meu atual momento tenha contribuido para sentir essa emoção à flor da pele.

    Escreve, André... Escreve pq desse lado de cá eu me "embebedo" com suas palavras.

    Bjooooos!

  4. Este comentário foi removido pelo autor.
  5. Dé, vou elogiar seu texto assim: ele é incrível, portanto você me deu o trabalho de revisá-lo. Hehehe...

    Na primeira linha a vírgula que antecende a oração subordinada é opcional, eu a tiraria por falar de amores e lascividades. Indica um turbilhão de emoções, fica intenso... Dando um parágrafo ao fim dela fica ainda melhor. É intenso e isola a emoção.
    "Ela guardava o hábito lascivo de apertar os amores entre as pernas como se pretendesse esmagá-los sobre o próprio ventre.

    Gostava das marcas e da expressão..."

    Também sugiro um parágrafo pro primeiro sorriso. Você não precisa temer a redundância com o final do texto. É uma redundância do sorriso. É maravilhosa.
    "O antes, o durante o depois.

    Sorria.

    Naquela noite...".

    "Como a de uma menina de tranças" > como uma menina de tranças. Retire o artigo excedente e a preposição, o indefinido dá conta do recado. Se quiser um efeito poético, retire até o uma.

    ".Como o achava belo. Sabia..."
    O conector como é incrível. normalmente a pausa que o antecedente é optativa. EXCETO em início de frase. Use cordenação, junte os dois períodos e dê certeza à personagem "Ele era belo e ela sabia, de algum jeito, que jamais acharia alguém assim tão belo".

    "Nem sob a luz... OU sob qualquer outra luz". Para soar menos repetitivo em um parágrafo tão singular e impactante. Aliás, meus parabéns pelo sob ao invés do sobre. Os dois seriam corretos, mas o sob diz que há muito além de luz entre os dois personagens.

    Retire a vírgula depois de enquanto subsequente e as duas orações ficarão quase do mesmo tamanho.
    "A foto que seria para sempre enquanto ela se lembrasse, a foto mais bonita que havia feito na vida."

    "Estava séria".
    Estava séria nada. Sorria séria. Ela é blazezona e linda. Ela é Kate Moss. Ela sorri e nem sabe disso. Deixa "paradoxal" assim mesmo. Se quiser deixar ainda melhor, pode até dar um novo parágrafo aqui, porque ela teria sorrido mais uma vez. (Primeiro ela sorri, depois ela sorri séria, e depois ela sorri e nem sabe disso).

    "Vestiu-se, com o cigarro francês ainda aceso na mão, e escreveu na parede a lápis...".

    E não tenho mais nada pra sugerir, porque o que a personagem escreveu ela escreveu e ponto.

    Parabéns. Dá um conto de livro fácil, fácil.

    Abraços.

  6. Querido, meu querido.

  7. Dois Cafés Says:

    Ui. Muito bom isso aqui. :)

  8. Nathália. Says:

    O lápis vermelho na parede, o abajour e o cigarro francês deram um tom perfeito.

    texto de primeira.

  9. Este comentário foi removido pelo autor.
  10. Muito legal o texto e o "por que desvias o olhar" tamb´m é bem interessante =)
    muito bom o blog!

    ahh há pouco comecei com um blog também, quando der dá uma passadinha lá, valeu

    www.msegredodouniverso.blogspot.com

  11. Anônimo Says:

    Puta que pariu!
    Que coisa mais maravilhosa é essa que acabei de ler?

    Parabéns!

    muito, muito bom!

    :*

  12. só me conta de quem é essa citação do final porque EU PRECISO SABER.

  13. "se você quer uma mulher que não tem noção de quanto e que por isso não tem restrições sobre quando ou onde; se você quer uma mulher que sangra, que cheira, que morde, que explode, que aguenta"


    oh god.

  14. ai como eu gostei desse texto. demais. adorei como você escreve. :D

  15. Silvia Says:

    É fiquei perdida aqui, no azul.
    E achei esse o melhor, conquistar. tão difícil.

  16. Anônimo Says:

    Felipe Thomaz, discordo de tudo que você falou, prefiro a maneira como ele escreveu, faz o texto parecer fluente, mesmo tendo "uma maneira melhor de dizer a mesma coisa". E você é muito chato! =D