Como num ritual, acordei e dei bom dia as flores (que já conversavam e cresciam cada vez mais), pensei que talvez devesse pintar as paredes, troquei palavras sobre o luar com o sax triste, acendi um incenso doce pra relembrar, acendi as luzes da varanda e fiquei ali só observando o céu, vendo as nuvens tão cheias de algo que eu não conseguia entender. Um pouco confuso, tanta nuvem e nenhuma estrela pra me guiar, não dava nem pra se encontrar nem pra se perder, era só nuvem, era cinza, um céu tão cheio de nada, vazio. Continuei com meu ritual, o som que vinha de dentro – da vitrola e do coração, eram versos de esperança de Paul e John.
And when the broken hearted people
Living in the world agree,
There will be an answer, let it be.
And when the night is cloudy,
There is still a light that shines on me,
Shine on until tomorrow, let it be...let it be.
Quando tudo que eu esperava era apenas alguns versos bonitos de esperança, senti um vento soprando mais forte, vinha do sul.
Antes desse vento os gerânios não tinham tanta cor, as borboletas andavam meio quietas naquela calmaria.
Mas aí veio esse vento do sul, um vento leve e livre, que depois virou uma ventania, mas uma ventania que era bonita de se olhar dali da varanda. Daí essa ventania era na verdade um ciclone, e eu ali parado, admirando esse vento leve do sul crescer cada vez mais. Todas aquelas nuvens sem forma e sem cor sendo varridas, uma por uma pra bem longe, pra depois do horizonte. Foi aí que voltaram então as estrelas e o brilho delas, infinitas, e aí a última nuvem que ainda restava no céu foi embora e fiquei ali, eu, o vento, as estrelas infinitas e a lua minguante sorrindo.
Foi aí que tudo por aqui andou florescendo e que os gerânios então se mostraram cada vez mais azuis.
O vento me dizia coisas bonitas ao pé do ouvido, grandes como o amor, a vida, a liberdade, as vontades, a sintonia, as freqüências.
Tinha medo de que talvez ele fosse soprar pra outro lugar e todas aquelas nuvens voltassem. Mas esse vento era como um bater de asas de libélula. Era um vento livre, incontrolável. E quando eu chegava a sentir essa coisa que nem chegava a ser medo direito, ele vibrava numa freqüência que eu reconhecia, e então eu tive certeza outra vez.
Como num ritual então, escancarei as janelas pra ter certeza de que eu pudesse ainda muitas outras vezes ver as estrelas infinitas e sentir esse vento que envolvia e me fazia ver e sentir tudo de novo, sentir que as coisas livres voam juntas na mesma freqüência e não se perdem, e não importam as massas de ar quente nem massas de ar frio nem qualquer outra coisa, sempre vai haver a sintonia que só quem entende o vento tem.
A partir desse dia eu continuo com meu ritual, mas agora com uma flor magnolia que ele trouxe ao meu jardim, com cores a mais nas paredes, com as tochas sempre acesas (sempre), com a música e a arte sempre voando entre as quatro paredes e saindo e voltando pela janela, e quando eu vejo que as nuvens vão embora e eu vejo outra vez o brilho da lua, sei que aquele vento que me fez sentir e ver tudo de novo está sempre por aqui ventando e me trazendo coisas doces e intensas ao mesmo tempo, trazendo coisas que me fazem acreditar que tudo sempre ainda pode ser outra vez – e eu agora tenho um cata-vento na janela.
Fortuito.
Há 6 anos
Eu também colori minhas paredes, pra tirar aquele branco do meu quarto. Um cata-vento na janela e uma borboleta pendurada no teto! E ela é azul!
Que nunca falte Paul e John na sua vitrola e que sempre você possa se perder pra se encontrar (sempre!).
Bons ventos do sul nesta sexta-feira linda!
Eu também colori minhas paredes, pra tirar aquele branco do meu quarto. Um cata-vento na janela e uma borboleta pendurada no teto! E ela é azul!
Que nunca falte Paul e John na sua vitrola e que sempre você possa se perder pra se encontrar (sempre!).
Bons ventos do sul nesta sexta-feira linda!
o menino que enxerga as estrelas :)
tem muitos que não enxergam...
Um bom modo de ver.
:)
Abraço André.
Sinestésico, colorido e bem construido.
Muito bom, moço tocador de gaita. :)
enquanto lia...fechei os olhos pra tentar ver as nuves cinzas sendo varridas do céu azul...
pela força dos ventos fortes...
invisíveis,mas tão presente...tão perto!
"sempre vai haver a sintonia que só quem entende o vento tem."
sempre vou absorver bons pensamentos e ensinamentos...toda vez que voltar aqui!